A realidade é o que é. Dou apenas o contributo para contextualizar mais um pouco e debater o tema.[Nota: um ponto de vista é sempre uma vista a partir de um ponto. Não há ideia nem autoridade que não possa ser questionada. Toda a ideia e toda a autoridade deve ser constantemente questionada, porque toda a ideia e toda a autoridade tem, em permanência, de justificar a sua validade, a sua razão de existir, a sua pertinência.Sugiro que se comece por questionar, discordar e opor-se a tudo ao que aqui digo. Precisamos desse inconformismo para melhorar. Se encontrar argumentos e fundamentos que sustentem essa discordância, no todo ou em parte, muito bem. Se não os encontrar, só então adira às ideias e à análise expressas, porque após esse processo, elas já serão suas de facto – criticou e pensou por si próprio.]O facto da alegada maioria dos comentadores madeirenses, na blogosfera, não se identificar e, além disso, esses comentários optarem não raras vezes pela ofensa pessoal e pela crítica agressiva e hostil, é sintomático. É o reflexo de uma sociedade, na qual me incluo – não pretendo dizer-me imaculado, dar-me ares de modelo dos bons, ser paternalista ou, pior, falso moralista.O ANONIMATO, mesmo que não se aceite, pode ser explicado. Terá, sobretudo, a ver, mesmo que pareça um lugar comum, com esse mecanismo de controlo ou autocontrolo chamado medo. Seja real ou imaginário. Este ainda é pior que o outro porque é o medo dentro da cabeça, impregnado, interiorizado, autoinfligido. Parece natural.A pequenez do meio, as dependências, os constrangimentos de vária ordem, como um certo clima (real ou irreal) de represália, ameaça ou chantagem (“quem não é a meu favor é contra mim”; “quem é esse gajo???!!!”; “sei quem tu és!”; “quem discordar leva umas taponas”; “quem não está bem assim deve ir embora para outro lado”, entre outras atitudes), geram sufoco – tempo de capacete interior –, condicionam e tornam as pessoas demasiado cautelosas, acanhadas, politicamente correctas, com muito jogo de cintura, medrosas. Como se alguém lhes fosse bater à porta e prender assim que fazem o clique no “login and publish”, lá no blogue. As pessoas guardam a pressão dentro de si e, quando explodem, não podem ser muito articuladas.Apesar das vicissitudes e constrangimentos, não se estará, apesar de tudo, num ponto de passar à clandestinidade...O medo e a cautela originam esse posicionamento muito madeirense de estar a bem com todos, estar a bem com deus e com o diabo. Não assumir, publicamente, o que se pensa dá jeito, é útil.Por outro lado, a NATUREZA OFENSIVA de certos comentários (há diferença entre crítica e maledicência, entre frontalidade e ofensa/agressividade) deve-se desde logo à protecção propiciada pelo anonimato, que dá a sensação de rédea solta, de impunidade e segurança. Porque não é preciso assumir. Aí resvala-se mais facilmente para o sensorial, o emotivo e racionaliza-se menos o discurso. As questões tendem a ser fulanizadas, entrando até pela vida pessoal das pessoas, promovendo o lodo, algo comum na nossa sociedade. Foge-se do essencial e concentra-se no acessório.Há pouca construção. Tende-se para a destruição sem intenção construtiva, embora seja tudo criticável e todos sejamos criticáveis, é claro. Podemos destruir um edifício para construir um melhor, mas não se percebe certas vezes o que se quer construir, dando essa impressão da destruição pela destruição, pelo bota-abaixo. Pelo simples prazer de destruir. Para amesquinhar. Para enervar e angustiar o outro. A nossa ilha é fértil em azedume e ressentimento.Mas, se o exemplo da má educação e má convivência democrática até vem de cima, basta recordar as recentes cenas no parlamento regional (ao menos no blogue só se pode agredir com palavras porque o outro está fisicamente ausente), a hostilidade ofensiva de alguns comentadores acaba por ser um produto. Quando há intolerância face à crítica e ao diálogo é porque não existe uma sã vivência democrática - não vou desenvolver este tópico.Sem esquecer que a hostilidade de certos comentários nos blogues é também um produto de um dos atavismos ou males endémicos (estruturais) da sociedade madeirense: a maledicência. Associada à inveja, à intriga e à confusão entre o acessório e o principal. Historicamente, a sociedade madeirense foi muito condicionada e fez da cautela e da autorepressão um modo de estar. Não é por acaso que se canta “deixem passar esta brincadeira” ou se dance de cabeça baixa e costas curvadas. Foi uma série de gestões absolutas (cangas, se pensarmos n’A Canga de Horácio Bento de Gouveia): a ditadura de Salazar, a colonia e por aí fora. Daí a maledicência, em privado e nas costas, ser o escape (modalidade) regional. E as novas tecnologias vieram permitir novas formas de maldizer, agredir na sombra e lançar ao lodo.Face a esta realidade, alguns blogues optam também pela defesa (medo?), não permitindo comentários anónimos ou, radicalmente, não permitindo qualquer comentário, o que pode arruinar a essência de um blogue: a interactividade, a comunicação, o debate, a troca, o enriquecimento, o espírito comunitário, a convivência democrática. Mesmo que se encham de comentários anónimos e ofensivos, os blogues devem permitir o anonimato para que traduzam e exponham a realidade das coisas. Se estivessem vedados os comentários anónimos não estaria a escrever este texto e a pensar no significado do conteúdo desses comentários.Basicamente, estou a dizer que compreendo o anonimato, embora não o defenda nem ilibe a falta de ética “bloguista” nalgumas comunicações. A violência verbal pode ser explicada, mas, novamente, o sujeito pode distanciar-se de certos mecanismos indutores e motivadores, intrínsecos ou extrínsecos, porque é munido de razão e vontade própria. Além de tudo, o anonimato é sempre desvalorizado e o recurso à ofensa ou à violência faz perder a razão que até se pode ter.
1:27 AM
Um comentário:
Não tenho qualquer obsessão contra os anónimos até porque em algumas situações provavelmente se justifica essa protecção. No entanto, considero que seria vantajoso para o comentador usar um pseudónimo e mantê-lo nos vários blogs em que participa porque isso só lhe daria reputação, credibilidade. Mas não sou daqueles que valorizo a argumentação de um comentador somente porque o seu pseudónimo já ganhou alguma credibilidade. Não pode haver "vacas sagradas", a qualquer momento podemos ser postos em causa por o nosso discurso virtual não corresponder à nossa postura quotidiana se essa for conhecida do nosso interlocutor. Aliás, a credibilidade adquirida em áreas com as quais estamos familiarizados não impede que as nossas opiniões sejam postas em causa pelos "novatos" que só agora entraram neste mundo. Por esta razão digo que não existem "vacas sagradas" neste mundo. As "vacas sagradas" também se abatem...talvez não na Índia...mas aqui sim!
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